* O texto foi escrito antes do primeiro turno. Não foi postado por problemas… técnicos.
O jornalismo que contribui para a democracia, colocando em jogo uma dicotomia (tricotomia?) forçada para que o povo, aquele que detém o poder de escolha, possa… escolher.
A escolha pelo sistema de dois turnos nas eleições majoritárias brasileiras não se deu por acaso. Instituído pela Constituição de 1988 nas cidades com mais de 200.000 habitantes, esse sistema abre espaço no primeiro turno, para que o debate contemple diversas idéias de diferentes grupos da cidade. As necessidades e propostas específicas desses grupos ganham visibilidade por meio do voto nas urnas. Os candidatos, de olho nos potenciais eleitores, podem vir a incluir algumas dessas propostas bem recebidas pela sociedade em seu programa de governo. No segundo turno, então, os eleitores avaliam qual é o candidato mais apto para governar a cidade de uma maneira mais geral.
São Paulo. Mais de 200.000 habitantes. (40 vezes isso é o correto, segundo a Matemática).
O Estado de S. Paulo, como toda a imprensa, quase não cita “a turma do zero” (aquela que não pontua nas pesquisas) durante a campanha do primeiro turno. Nos dias 02, 03 e 04 nem citou os candidatos intermediários – que até aparecem nas pesquisas, com menos de 10%.
5% de 8 milhões (ou 400.000) de paulistanos intencionados a votar na Soninha (PPS) parece ser significativo. Mas vá lá, espaço para todos é o que nunca obteremos em um jornal. Se for para cortar, que se comece pelo pé. Ou melhor, pelos que lá se encontram. Aqueles com melhores chances é que ganham as páginas. Se visibilidade na mídia atrai votos? Não necessariamente, mas convenhamos que conhecer o candidato já o torna mais votável.
Não vamos dar chance para os que não têm chance.
O Estado de S. Paulo optou por uma estrutura de página que enterra o primeiro turno – dado como certo entre a petista e o democrata, já antecipando movimentações para o segundo turno.
A página se divide em duas partes: a primeira dava conta dos últimos acontecimentos das campanhas e as estratégias a serem seguidas nas campanhas. Na parte inferior, dividida ao meio, as notícias mais específicas de cada candidato. Marta fica com o lado esquerdo, Kassab com o direito. (coincidência?)
A estrutura se repetiu nos dias 02, 03 e 04.
Em pauta, não mais projetos, nem propostas, mas a guerra.
O jornal se vale da alegoria de guerra para demonstrar quão acirrada está a disputa e de que mecanismos cada candidato lançará mão no primeiro turno. “Campanha” e”aliança” já estão no campo semântico, mas o diário explorou a metáfora mais a fundo.
A guerra é só no topo
No dia 03 de outubro, a capa chama para a matéria, que localiza a campanha estratégica dos candidatos, foi “Marta e Kassab recolhem munição pesada para usar no segundo turno” (03/10)
No dia seguinte, a matéria principal foi “Exército de militantes vai às ruas no último dia da campanha em SP” – (04/10)
Nessa notícia, “Exército”, “campo de batalha”, “soldados”, “centrou fogo” foram termos que ambientaram o texto principal. A frase do então candidato Geraldo Alckmin compra (e vende) a alegoria: “Vai ter uma infantaria, um verdadeiro exército nas ruas do PSDB”, diz. (a ambigüidade deixaremos para lá).
Apesar da metáfora forçada – entre mortos e feridos quase todos saem vivos das eleições, é questionável que os jornais decidam pelo fim do primeiro turno antes mesmo de ele ocorrer.
Na parte inferior da notícia, o embate explícito, visual, textual. Uma matéria para cada candidato, dispostas lado a lado. Texto do mesmo tamanho. Justo. (Nota de alguém cansado do pagemaker: o texto do lado direito, do Kassab, possui uma quantidade de viúvas assustadoras. É sabido, viúva come espaço)
De qualquer maneira, os dois recebem as mesmas chances gráficas. Mas o texto de Kassab inclui a resposta do ataque descrito no texto de Marta, invalidando a argumentação da petista.
Texto de Marta
No penúltimo dia da campanha do primeiro turno, a petista Marta Suplicy centrou fogo mais uma vez no prefeito Gilberto Kassab (DEM), seu alvo predileto nos últimos dias e provável opositor no segundo turno, na previsão de petistas.
E, para compensar a proibição legal de realizar comícios, apostou numa entrevista para dizer que a gestão do prefeito é marcada pela “incompetência”.
“Nós sabemos da incompetência e falta de gestão”, disse Marta, ao criticar o fato de a atual administração manter recursos aplicados no mercado financeiro. “Sou contra uma prefeitura que não trabalha com o recurso que tem para a população mais pobre”, completou, após comandar uma caminhada ontem no centro da cidade, por volta de meio-dia.
Marta é colocada como candidata que antecipa o trabalho de desautorização do prefeito Kassab (o jornal reitera que isso se deve ao fato de que muito provavelmente será ele o opositor de Marta na disputa), como se estivesse com receio, a saída para a candidata é agir estrategicamente.
Texto de Kassab
O prefeito e candidato à reeleição Gilberto Kassab (DEM) criticou ontem a tentativa da adversária Marta Suplicy (PT) de nacionalizar a campanha, trazendo temas federais para a discussão em um eventual segundo turno, e a acusou de querer “novamente quebrar a cidade”.
(…)
A campanha rebateu também as críticas da petista, que disse ser “contra uma prefeitura que não trabalha com o recurso que tem para a população mais pobre e deixa o recurso no banco”.
Os kassabistas reagiram dizendo que a administração “tem aplicados recursos necessários ao pagamento dos investimentos”. “Não ter essas aplicações seria uma irresponsabilidade.”
Do lado direito, esse é o texto que se lê por último. A informação lida por último parece ser a mais exata e veraz, porque não há nada que a conteste. Invalida-se, assim, a crítica feita por Marta. Fenômeno que não ocorre com a crítica feita pelo democrata.
Os jornais, agindo assim, colaboram para o círculo vicioso dos candidatos, que levado ao extremo, acaba corroborando com a máxima de que os políticos são sempre os mesmos. Ao menos, os mesmos a receber notoriedade na mídia.
É difícil que um candidato desconhecido ganhe espaço, a não ser por razões circunstanciais – Kassab tem a máquina e apoio de tucanos!
É claro que um cidadão ideal não se atém a uma fonte de informação apenas e vai além, buscando por conta própria aquilo que considera necessário para uma tomada de posição.
Bom, até aí no meu mundo ideal chove sorvete todo dia.
[…] 23, 2008 por Iana Chan Ou A ditadura do Voto – parte […]